Tenho sentido dificuldade em dar vazão aos desenhos. É como se eu estivesse sem vontade de desenhar.
Eu me enfiei no mundo dos desenhos como uma espécie de fuga da realidade na qual eu vivia e com a qual eu não estava satisfeito. Mas depois que os desenhos viraram a realidade, é como se agora eu procurasse outras formas de escapar dessa nova realidade, e isso me tira a vontade de desenhar que antes eu possuía.
Fico pensando sobre o desenho como essa forma de escape. Se for isso, então não se trata de uma vontade verdadeira minha. Isso me coloca novamente no lugar de busca dessa verdadeira vontade. Acho que ainda não encontrei essa coisa, ou já encontrei e apenas não compreendi como ela funciona na minha vida.
Não estou muito certo disso, é apenas uma divagação que me surgiu no momento.
Mas assim como Bernardo Soares, devo à fuga tudo aquilo que até hoje traduzi em arte.
Na versão do Livro do Desassossego que estou lendo, o trecho de número 130 reflete sobre essa ideia, da fuga, e contém a seguinte passagem:
“Devo ao ser guarda-livros grande parte do que posso sentir e pensar como a negação e a fuga do cargo”
Talvez, assim como ele, eu deva me colocar novamente em uma posição que me gere um pouco de descontentamento com o que faço, para que ressurja a fuga dessa posição e que essa fuga seja pela arte.
Seria a arte fruto de um eterno descontentamento com a minha vida ?
Apesar de encontrar ressonância nas palavras e ideias de Bernardo Soares, penso que a arte pode ter inúmeras raízes dentro de mim, não somente a fuga de alguma determinada situação que a vida me apresenta. Já vivi outras formas de transbordar em arte, sei que elas são possíveis, e sei também que essas formas variam em uma espécie de ciclo aleatório (não sei se é possível que um ciclo seja aleatório kkk). Mas é interessante tomar consciência de que as raízes da arte são infinitas, e que posso aprender a explorar essa variedade, sem me apegar a uma única situação que favorece o transbordar dos sentimentos. Sabendo disso, fico mais tranquilo com as variações que ocorrem na maneira como produzo as coisas.
O rio da criação está sempre fluindo através de todos nós, o que precisamos é aprender a nos conectar e sentir esse fluxo, e deixar as ideias fluirem conforme a natureza desse rio. Ele está sempre lá, mas nunca é o mesmo.