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05 novembro 2014

O Cataclisma de outra época



Sob um céu estrelado, vejo um mundo diferente do que costumava ver, muita coisa mudou, eu mudei, e hoje, sentado a beira do mesmo mirante, contemplo o mesmo quadro sob outra perspectiva. Consigo ir além dos simples pontos de luz que afugentam a escuridão da noite, percebo seus contornos e os desenhos que formam, vejo o caminhar afobado de pessoas com medo daquilo que nem sabem se existe, observo o movimento daqueles que invadem o palco durante o silêncio da madrugada para também atuarem neste imenso teatro. Vejo uma cidade que não dorme, mas que está imersa em sonhos.

E lá do alto tudo parece ínfimo em relação à magnitude daquilo que a vista alcança, e menor ainda em relação àquilo que a imaginação pode criar.

O tempo já não tem mais o mesmo peso de antigamente; é como se eu houvesse criado uma medida de tempo própria, diferente da que me foi apresentada quando jovem, não calculada em segundos, horas ou dias, mas contada com base nas mudanças de velhos hábitos, na realização de meus desejos, na convivência com amigos e família, e até mesmo em cada copo de café que acompanha um pensamento ou outro. Me caiu bem, me despreocupou de muitas preocupações.

Daqui de cima a vida tem uma beleza diferente, é cheia de vida além da vida e ordenada em seu próprio caos.

Durante o dia, gosto de me sentar aqui e acompanhar o fluxo das pessoas; almas transitando de um lado para outro, cada uma com sua história, cada uma com sua visão sobre mundo que as cerca. Fico imaginando o que se passa na vida destas pessoas, que problemas as afligem, quem as estará esperando quando voltarem para suas casas, o que haverão comido no café da manhã, o que as faz sorrir mesmo estando em um dia difícil. Há tanta coisa que não sei sobre aqueles que compartilham esta existência comigo.

Cada um carrega um mundo inteiro dentro de si, como se fossem livros de história sendo escritos em tempo real, relatando fatos de uma mesma época, mas com diferentes pontos de vista.

Compassos



Por muito tempo caminhou sozinho pelas ruas da cidade; seja qual fosse a cidade, seja qual fosse o bairro da cidade, o importante é que caminhava, pois quando o fazia, estava na verdade, andando pelas trilhas de sua mente, onde cada pensamento marcava a distância percorrida e cada reflexão o colocava mais próximo de seu destino, que era na verdade o ponto de partida, ele mesmo.

Logo concluiu que não haveria um fim para sua caminhada, pois as rotas sofriam mudanças constantemente, e muitas vezes se via passando por lugares já conhecidos, mas sempre com uma percepção diferente, pois o caminho percorrido anteriormente havia mudado algumas de suas ideias e ideais, e portanto, refazer a mesma rota se tornava uma experiência totalmente nova. Ao tentar abrir uma trilha, era necessário um certo cuidado, por não saber o que haveria pela frente, também era preciso coragem e confiança para continuar andando, pois o medo gerado pela dúvida poderia fazer com que ele voltasse atrás, para a segurança de uma trilha já demarcada.

Era estranho começar uma caminhada sem enxergar seu objetivo, sem saber se haveria ou não um ponto final, mas tudo se encaixava assim que dava o primeiro passo; o fato de não haver um término bem definido perdia a importância, as expectativas cessavam, e tudo que sobrava era a trilha abaixo dos pés e o movimento ritmado dos passos ao longo do caminho. O que estava a sua volta se tornava um pano de fundo para seu caminhar, um caminhar para dentro, o caminhar mais difícil que já experimentou; e cada coisa que avistava, cada som, cheiro ou sensação que colidia com seus sentidos, despertava uma parte de sua memória, que então, lhe fornecia um tema para guiar seus pensamentos. E assim, continuava a sua trilha, carregado pelos ventos de uma reflexão e outra, percorrendo espaços cada vez maiores e indo cada vez mais adiante; até que subitamente despertava de seu transe e era preenchido pela razão, olhava ao redor e via que estava cercado por imagens de algum outro canto da cidade, e então começava a percorrer o caminho de volta, desta vez mais atento ao ambiente do que aos seus pensamentos.

Geralmente o regresso era acompanhado de um novo sentimento, nascido durante a caminhada, e ele gostava de prestar atenção à novidade, gostava de perceber que algo havia mudado, sem poder explicar com palavras o que exatamente havia mudado, mas também não via a necessidade de explicar nada a ninguém, então apenas retornava feliz para casa.